segunda-feira, 5 de junho de 2023

Saiba quem são e como vivem os povos isolados

Vale do Javari abriga maior número desses povos no mundo

POR AGÊNCIA BRASIL - Conhecer e proteger alguém usando apenas os rastros que deixa pelo caminho - arcos, flechas, artefatos, vestígios de alimentos e itens de acampamentos provisórios. É dessa forma que trabalham indigenistas que se ocupam da defesa de povos em isolamento voluntário, como Bruno Pereira, que esteve à frente da Coordenação-Geral de Índios Isolados e de Recente Contato, da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), e foi morto em junho de 2022, em uma emboscada que também custou a vida do jornalista britânico Dom Phillips, correspondente do The Guardian. Ambos pagaram o preço por denunciar crimes socioambientais praticados no Amazonas.

Um ano depois de os dois serem assassinados, restam, para muitas pessoas, dúvidas sobre as comunidades que buscavam proteger. Os povos isolados estão em maior número no Brasil do que em qualquer outro local no mundo, na Terra Indígena (TI) Vale do Javari, onde também vivem outros agrupamentos indígenas, inclusive alguns de recente contato.

O isolamento é, em geral, uma escolha dessas comunidades. Elas preferem manter distância de não indígenas, e até mesmo de outras etnias, por diversas razões. Um dos principais motivos é a recusa em manter uma ponte com o Estado e a existir em conformidade com a lógica do lucro, uma vez que, na maioria das vezes, já foram vítimas dessa situação, tendo experimentado matanças de seus pares. Há possibilidade de ter havido um trauma oriundo de outras vivências, como a de choque com outros povos. Como destaca um livro do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e da Editora da Universidade Federal do Amazonas sobre o assunto, "a existência de grupos indígenas isolados, muitos enxotados de  suas  terras  e  em  busca  de  refúgio  em  lugares  de  acesso  muito difícil, alerta para o 'terrorismo do desenvolvimento', pensado em função de interesses externos, fora da Amazônia".

A obra do Cimi, de 2011, ressalta que o isolamento é mais comum na região amazônica por causa de suas características geográficas e ambientais. Contudo, outros locais, como o Cerrado brasileiro, o Gran Chaco, localizado entre o Paraguai e o Sul da Bolívia, e ilhas da Nova Guiné e do Sul da Índia também são lar de povos em isolamento voluntário.

Conforme esclarece o antropólogo Tiago Moreira, do Instituto Socioambiental (ISA), muitos povos deixam o isolamento para sinalizar que estão em apuros diante das ameaças à sua existência e ao seu modo de viver. O pedido de ajuda pode ocorrer mesmo que não seja de maneira explícita, e sim sutil. "Muitas vezes, esses povos têm contato intermitente, esporádico, com outros povos indígenas, por meio dos quais conseguem até ter acesso a instrumentos de metal, como facão, machado", afirma, em complemento à definição do que são os povos em isolamento voluntário.

O fundador do Centro de Trabalho Indigenista (CTI), o antropólogo Gilberto Azanha, enfatiza que o número reduzido de rastros e indícios que os povos em isolamento voluntário deixam é proposital e calculado. "O que significa viver escondido? Viver escondido significa deixar pouca pista", diz ele, que atualmente é conselheiro consultivo do CTI. "São várias situações. Cada povo tem uma pequena história, profunda, sobre suas experiências de contato com outros, sejam os outros terríveis, como os agentes da nossa sociedade ocidental, sejam missionários, agentes da especulação imobiliária, madeireiros, e com outros povos indígenas da região, seu entorno. Todos construíram a sua, seja lá por que motivo. A gente só vai especular quando eles decidirem se apresentar e expor a sua história, por que se isolaram, por que passaram a viver escondidos. Isso a gente só pode especular."

O povo isolado que vive na TI Massaco, em Rondônia, diz Azanha, é um dos que têm demonstrado curiosidade de ver o que se passa em suas fronteiras. "Eles têm umas saídas, os especialistas costumam falar dos jovens, para observar o que se passa e nisso deixam algumas pistas que o pessoal da Funai acompanha e ativa um sistema de proteção mais eficaz nessas áreas onde têm aparecido, meio de repente."

Como não há, geralmente, uma comunicação verbal com os povos em isolamento, que poderia permitir maior entendimento sobre a cultura de cada, eles podem ser identificados a partir de seu ponto geográfico. Há nomes como "isolados do Alto Xeruã", "isolados do Rio Copaca/Uarini" e "isolados do Igarapé Lambança".

Alguns desses povos, explica Azanha, desenvolvem sofisticação em suas andanças e movimentos, tenho habilidades excepcionais, por exemplo, de caminhar na floresta à noite. Como o intuito é perambular despercebido, um deles até parou de fazer roçados, de abrir clareiras na mata e de construir casas mais permanentes.

Tiago Moreira comenta ainda que, nos anos 80, houve, em Rondônia ocorrências de povos isolados e de recentes contatos, que acabaram se deparando com pessoas que não pertenciam à sua comunidade e o resultado disso foi um elevado número de mortes. "A partir dos anos 80, também foi construída uma política de não contato, principalmente baseada no fato de que as experiências de aproximação eram desastrosas, as pessoas morriam, os grupos passavam por um processo de perda populacional muito grande. Então, a Funai, junto com os antropólogos, indigenistas, se reuniram para decidir o que fazer. Aí, foi indicada essa política de não contato e adotada uma série de protocolos, porque, eventualmente, esse contato teria que ser feito em caso de risco desse grupo [isolado].

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