sábado, 8 de setembro de 2018

Maria Bonita era uma mulher dona de si, diz pesquisadora

Livro da jornalista Adriana Negreiros lança um olhar feminista sobre o cangaço
(Fotos: Benjamin Abrahão/Divulgação)
No sertão dos anos 1930, a traição feminina muitas vezes era punida com pena de morte. O caso mais famoso é o da cangaceira Lídia, que teria sido assassinada por Zé Baiano, seu marido, a pedradas. Lídia o teria traído com Bem-Te-Vi e foi enterrada sob lágrimas do próprio Zé Baiano. Neste universo de machismo levado ao extremo, uma mulher, a primeira a se juntar àquele grupo de bandoleiros, tinha traços de empoderamento, espírito de liberdade e bom humor, a ponto de fazer piada com o bandido mais procurado do país, Lampião, seu marido.      
Em Maria Bonita - Sexo, Violência e Mulheres no Cangaço, da editora Objetiva, a jornalista Adriana Negreiros traz uma Rainha do Cangaço empoderada. “Numa época em que o machismo chegava a um patamar absurdo, a gente pode dizer que ela era uma mulher empoderada”. Mais do que isso, Adriana revela uma Maria Bonita transgressora, que abandonou o marido mulherengo para acompanhar um bando de cangaceiros formado apenas por homens. “Foi uma atitude de muita coragem e transgressão”. 
De passagem pelo aeroporto de Salvador, onde concedeu esta entrevista ao CORREIO, Adriana nos revelou um cangaço ao mesmo tempo violento e afetuoso. Um universo de muito machismo, pouco sexo, raptos e feminicídios, mas também de amor e beleza estética. Chocada com a violência com a qual muitas das cangaceiras eram retiradas de suas famílias à força – o que não foi o caso de Maria Bonita – em seu livro Adriana lança um olhar feminista e tenta se colocar no lugar das cangaceiras. Imagina o sofrimento que muitas delas tiveram que passar por serem obrigadas a, depois de enfrentar a gravidez em um ambiente extremamente difícil, abandonar seus filhos. 
Aconteceu com a própria Maria, que, diferente da maioria das mulheres, tinha, de fato, uma relação de amor com o maridoa. “Havia um afeto. Ela tinha influência sobre Lampião. Era uma relação mais igualitária que nos outros casos”. Nascida em Fortaleza, Adriana tem família com origem em Mossoró, a cidade que ficou conhecida justamente por se unir para impedir uma invasão do bando de Lampião. Por isso, o livro que lançou nesta sexta-feira por pouco não teve este tema. Na verdade, Mossoró escorraçou Lampião e seu bando que, com a derrota, teve que se refugiar na Bahia. É aí que entra Maria Bonita na história. Ela mudou a história do cangaço. E a deste livro também.